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* Pássaros Feridos

Gênero: drama/romance

Sinopse: Quem na juventude já não abriu mão de um grande amor? Se você, de alguma forma, pudesse voltar no tempo, o que faria para preservar este amor? No conto “Pássaros Feridos”; é narrado a história de Linda — uma garota cheia de vida, como tantas outras no mundo, mas que por causa de alguns problemas familiares que passou, ela acabou trilhando um caminho que condenou de vez o seu jovem coração. Fica aqui a máxima do conto: “Se decisões amorosas não estiverem embasadas nos clamores do nosso íntimo, às vezes, tudo que for construído daí pra frente, mesmo às duras penas, debandará em montes de cinzas, em aglomerados de saudosas névoas, em fuligens nostálgicas de labirintos cegos e sem volta”.

Pássaros Feridos (amostra)

Tentando encontrar um parâmetro mais definido sobre os sentimentos de Linda Fukushi relacionados ao seu casamento com Sílvio Agnaldo, pode se narrar os fatos baseados nas frustrações corriqueiras e comuns a toda hora, de todos os tamanhos e formas, objetivas no viver doméstico ou subjetivo no sentir os sentimentos sempre a inundando por dentro em torrentes de arrependimentos carregados de culpas por causa do pecado; de acordo com o que ela quase diariamente ouvia do pregador no púlpito, o suor dele escorrendo o rosto aos berros, a bíblia entrincheirada na sua mão esquerda, enquanto na outra, os dedos em riste apontados para uma congregação assustada, com os olhos vidrados no seu gesticular agitado, a voz do pastor ficando cada vez mais falhada, intercalada nos goles d’água, e rouca diante das mensagens, das normas e da doutrina “sabiamente” ensinada a favor do testemunho que dizia que um membro de igreja só poderia se relacionar com outro da mesma congregação.

E assim foi com Linda Fukushi; pré-adolescente visitando pela primeira vez a Igreja Genuína dos Filhos do Altíssimo, conduzida ali por uma amiga de escola que havia narrado o próprio testemunho no intercalar das aulas, e que por bastante tempo ficou incrustado na sua alma de boa menina. 

 Aos treze anos de idade, Linda sentia-se extremamente impotente diante do alcoolismo do pai truculento e sempre embriagado, que quando não estava em roda de amigos bebendo ao varar da noite, estava caído no chão molambento à porta do mesmo bar. Quando o salário recheava o bolso do senhor Nivaldo, o pai, uma amnésia temporária o acometia, fazendo-o se esquecer dos compromissos que o mesmo tinha em forma de faturas, cobranças ao pé da porta, até mesmo o pagamento do leiteiro era postergado frente a sua fiel fidelidade aos prostíbulos da região. 

Nesses “respeitosos” ambientes, o pai de Linda desaparecia por vários dias seguidos, às vezes ele faltava alguns compromissos, e enquanto o fruto da sua labuta mensal de cobrador de ônibus não evaporava em forma de sorrisos estampados nos rostos das “incansáveis” operárias, seu pai não retornava para casa. 

“O pai já voltou minha mãe?” — A magérrima perguntava isso baixinho todas às vezes que ouvia o pai cadenciando os passos no corredor de casa; seu rosto já expurgado da embriaguez passada, camuflando uma seriedade não genuína, mas tão necessária para adentrar o local de trabalho. 

Eram rotineiras as contendas com a mulher frequentemente abandonada às responsabilidades de casa, vendo a própria filha comprometer seu futuro na diluição emocional que absorvia grande parte da sua energia mental frente aos estudos. Sem falar nas cobranças conjugais aos gritos, as ameaças de separação repetitivas, e os julgamentos simultâneos de atos certos e errados adentrando madrugada a fora. 

Todo esse emaranhado sufocante, palpitante no peito amargurado de anos, pouco a pouco convenceu a jovem Linda Fukushi que, passar mais tempo esfolando os joelhos em oração seria bem mais produtivo do que ficar ao pé da porta fibrilando tentativas e pulsões de interferir nas brigas dos pais. Em primeiro lugar, Linda Fukushi se firmou na igreja, depois sua mãe a acompanhava aos finais de semana, e em seguida, um bom tempo depois, o pai começou a frequentar as reuniões.

Assim, com a frequência da família nos cultos e conforme o peso das nádegas sobre o assento ia delineando um “ouvir” cada vez mais sensível às sutilezas apreendidas nas mensagens do evangelho, o coração familiar foi se pacificando aos poucos, se acalmando da torrente nervosa no sentir com desprezo o outro, principalmente dos ódios gratuitos estimulados pelo alto teor alcoólico circulando nas veias o poder destruidor dos consentimentos outrora construídos em meio a raríssimos diálogos conscientes. 

Agora todo esse emaranhado febril tratado ruía dia após dia em um desmoronamento prazeroso, e não sutilmente apresentado como o “testemunho vivo” no meio de uma congregação cada vez mais ávida por experiências genuínas de um poder sobrenatural estimulando a todos para o bem comum, principalmente conclamando os membros para as práticas dos ensinamentos aprendidos e engendrados pela “voz divina vinda do pastor” para desmascarar energias ruins e, convergindo dessa forma; todo e qualquer jugo desigual, seja na esfera da mente ou na emocional, em atitudes mais convidativas, benignas de se sentir até nas entranhas, ou apelativas o suficiente para atrair sempre mais gente disposta a propagandear a sua “religião”. 

Nesse ambiente religioso, a pequena sempre estava grata das coisas que o seu Deus tinha realizado em sua família. Então, com o passar dos meses, orientada por seu pastor ela procurava se ocupar cada vez mais nas atividades oriundas dos serviços demandados pela congregação. Por exemplo: na organização do voluntariado responsável pela evangelização semanal que percorria os bairros, nos telefonemas convocando os irmãos desviados, até na procura insistente por alguma “estrela eminente”; seja um cantor famoso, um pregador em ascendência, ou mesmo alguém, ainda que desconhecido, mas com testemunho forte o suficientemente para, de certa forma, apertar um pouco mais a coleira invisível enlaçando o pescoço de cada um dos fiéis.

Para trás ficaram as brincadeiras de rua sempre tumultuadas pela garotada correndo soltas às gargalhadas, findaram as festinhas com os amigos e as confidências apaixonadas, e a partir de então ela redirecionou ao presbitério todas as perguntas existenciais que antes, direcionava apenas aos pais. 

Findou-se isso e muito mais, principalmente o prazer juvenil adentrando sua puberdade nas descobertas dos selinhos inocentes, ou através das bicotas acaloradas, principalmente quando Linda estava, por assim dizer, escondida atrás de uma árvore, na dobra de alguma esquina sem movimentação eminente, ou mesmo diante das ausências passageiras que proporcionava ela estar momentaneamente agarrada ao namoradinho em qualquer lugar. 

 “Mamãe, eu já estou indo pra igreja.” 

“Filha, hoje é culto dos jovens, né?” — A mãe sempre consultava o relógio, preocupada com a hora de término do culto. “Linda, assim que terminar a reunião, peça a algum irmão para trazê-la em casa, está bem? Afinal, este mundo está muito violento.”

“Deus é comigo mamãe. Não se preocupe ok?” — Era o que mais comumente Linda respondia para a mãe a partir dali; a bíblia gorducha empanturrada por debaixo dos seus esqueléticos braços trazendo uma sensação gostosa no peito, comprovando seu dever espiritual cumprido à risca. 

No entanto, com o passar de dois anos, ao contrário do esperado, Linda começou a sentir incômodos rotineiros que começavam a somatizar alergias diversas em forma de coceiras por seu corpo todo que, coçando sofregamente, descascavam a pele, deixando-a com o fundo mais avermelhado que o normal. A partir daí vieram dores se alastrando pelos ossos e pelos músculos que, inundando importunos nela, gerava uma angústia de ser que nenhum remédio receitado pelo médico ou a mais potente oração em forma de jejum davam algum jeito. 

“Você precisa consagrar mais, filhinha.” — Assim ela ouvia por seguidas vezes as mesmas orientações pastorais que, apesar de reconfortantes em curto prazo, por fim não tinham qualquer efeito em um longo prazo cada vez mais carregado de responsabilidades eclesiásticas. 

Sem contar o que já foi dito, Linda também era a responsável no abastecimento do púlpito com: a água, com o café e os papéis utilizados na redação dos pedidos, pela organização das cadeiras porventura desorganizadas após o culto e, na ausência de voluntários na noite, a limpeza geral do salão até o horário que antecedia o apagar das luzes. 

“Essa irmãzinha é muito abençoada!” — Diziam os membros já partindo porta afora, estampando semblantes aliviados, de forma que eram constantes os elogios que a pequena recebia, sempre acompanhados com olhares cintilados de admiração. No entanto, apesar destas práticas que, por um bom tempo ela insistiu acreditar que a consagrava, permaneceu surda diante da sua consciência revelando práticas totalmente desniveladas. Desniveladas nas cobranças religiosas que a torturava mais do que propriamente lhe traziam paz, e o pior, a solidão que aos poucos passou a corroer sua alma, pois apesar de estar convivendo com pessoas com crenças parecidas, raramente ela conseguia se conectar.

Assim, com o avultar destes conflitos, a tristeza floresceu em sua face, posteriormente avolumou no coração, e por fim, naufragou-a em desejos proibidos que antes da conversão a Cristo, tinha proposto abandoná-los em nome da fé. 

Pode se dizer que este conjunto de sensações boas no início, e na maioria ruins no desandar dos fatos, semeou uma insegurança contínua em sua alma, ainda mais agitada pelas memórias de uma vida que também aconteceu em forma de gritarias, de gargalhadas, das brincadeiras de rua até o adentrar da noite, e no “prazer proibido” que aos finais de semanas a arrebatava entre beijos e abraços quando em conjunto com o namoradinho da casa ao lado. 

 Em noites febris assim, ela buscava refrigério espiritual na sua bíblia, e/ou através de diálogos mais reservados com as irmãs da igreja; e estando reunido com elas, “abria seu coração” e, por um breve tempo, voltava a blindar-se diante destes “tormentos carnais”.

Apesar de imersa nesse “santo” processo até completar dezoito anos de idade, de forma alguma, durante este período, ela encontrou pacificação para os gritos eloquentes da sua alma. No entanto, pela graça de Deus ou pelos esforços “invisíveis” do diabo, uma pontinha de esperança começou a brotar em seu coração quando pela primeira vez viu Sílvio Agnaldo de Amorim Melo, adentrando as portas da sua congregação. Rapazola, aparentando não ter mais do que dezessete anos de idade, que vinha acompanhado dos pais que, aportando na cidade do Rio de Janeiro, chegavam com as recomendações dos irmãos de São Paulo. 

“A paz do Senhor, minha irmã!” — Era o que frequentemente Sílvio Agnado dizia quando cumprimentava Linda antes do início do culto; o rosto de menino destacado pelo empinar do nariz, o cabelo rigorosamente penteado para o lado, sempre cadenciando passos firmes rumo aos primeiros assentos da congregação. 

Assim, quando o pregador da noite apontava no púlpito, Sílvio Agnaldo vidrado sempre ficava nas orações, nos gestos eloquentes, principalmente nas afirmações que mais arrancavam, de acordo com ele: “glórias e aleluias” de toda a congregação. Então, na sua bíblia, por assim dizer, com folhas soltas e bordas arregaçadas, ele ficava procurando por espaços em branco, ou livres o suficiente para acomodar as brilhantes anotações de saber que ouvia em sussurros e aos berros, rabiscando freneticamente com alguma das suas inúmeras canetinhas coloridas a encher-lhe o bolso.

“Esse jovenzinho será um grande pastor.” — Diziam os irmãos.

Continua...

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